sábado, 26 de março de 2022

Das teses que levantei ao abordar o assunto Terror Noturno sob a ótica espírita

 


1. O sono não é ausência de vigília em absoluto, mas uma outra vida que levamos quando estamos repousando à cama. Nosso corpo passa por fases de aprofundamento e superficialização do sono como que manifestando as aventuras do Espírito para além do quarto. Existe um certo padrão desses ciclos de aprofundamento e superficialização, isto se deve à condição de encarnado e à imposição das células que não permitem que o Espírito se desresponsabilize por completo do seu aparelho físico. 

2. Assim como somos mais ou menos médiuns, também o somos mais ou menos sonâmbulos. Assim como conversamos com os Espíritos que se nos avizinham diuturnamente (mediunidade cotidiana), nossa percepção não se limita à do corpo material, constantemente vagando por outras paragens (sonambulismo cotidiano). É quando, com razão, as pessoas dizem: "meu corpo estava aqui, mas meu espírito não".

3. A infância não é nem de longe um mar de serenidade onde o Espírito encarnado está defeso do seu passado. Ela é inocente apenas na medida em que é impotente para responder à altura tudo aquilo que se mostra para ela. Mas desde o berço ali está uma personalidade milenar, com progressos e virtudes, mas também, culpas e desejos, que lhe acompanham ou lhe perseguem. Na erraticidade (o período entre duas encarnações), o Espírito, quando descansa sob a proteção de anjos, se afasta das perturbações que criou para si nas vidas anteriores. É um momento de respiro. Tão logo ele se encarna, a perturbação que provoca no fluido espiritual mais colado à Terra manifesta uma identidade que o faz reconhecido por aqueles que lhe querem bem e lhe querem mal. Ambos vão em sua busca ou em seu encalço. Àqueles para lhe presentear, estes para lhe perseguir. É o que representa para nós a visita que Jesus recebeu dos Reis Magos e dos Pastores de um lado, dos soldados de Herodes de outro. Se Jesus, verdadeiro inocente, possui essa sina, que dirá o resto da humanidade. 

4. Com o bebê em casa, os pais, assessorados pelos anjos da guarda, enfrentam grandes lutas contra aqueles que não querem o bebê vivo ou bem sucedido nessa nova oportunidade reencarnatória. É uma prova de fogo para quem o ama. É uma prova iniciática para saber se temos, nós pais, condições de fazer vingar uma vida, isso sim, alquimia suprema, em busca da Grande Obra. Temos o amparo divino para superar os desafios, mas o sucesso depende de nosso esforço e de nossa entrega. De nossa santidade. Palavra esta tão desgastada e que dói nos ouvidos dos modernos, mas que não pode deixar de figurar aqui nessa argumentação. 

5. Materializa-se no corpo do bebê, desde a primeira fusão de imensos materiais genéticos, as provas e expiações que deverá sofrer no correr da vida. Na casa em que lhe acolhe, pois, estão os pais também a cuidar das feridas perispirituais que o recém-nascido traz consigo, e que forjam os mais diversos sintomas, tornando os cuidados do bebê um penar. Fala-nos a ciência sobre a imaturidade do sistema orgânico, mas não nos explica porque é mais tranquilo com uns e desesperador com outros, já que estamos todos sujeitos ao mesmo ambiente nóxico. Mesmo as doenças que são diagnosticadas pela alopatia só tem sua razão de ser e de se manifestar em virtude da suscetibilidade de um perispírito fragilizado neste ou naquele órgão, materialização de escolhas equivocadas do passado.

6. Nenhum pai é inocente das feridas de seu bebê.  Raros são os casos de pais absolutamente abnegados que acolhem um Espírito por pura caridade, isto é, de graça (cháris = graça). O mais frequentemente, todos estamos imbricados naquelas dores, naquelas cólicas, naquelas lesões de pele, naquela insônia. Seja porque fomos cúmplices ou responsáveis por elas em outras vidas. E aqueles Espíritos algozes que se aproximam do recém-nascido no segredo do berço, também são outros relacionamentos nossos que devemos sanar, perdoando-os e fazendo-nos perdoados.

O verdadeiro guerreiro, o sábio, ou o amante da sabedoria, não deve se assustar com a queda desse véu que revela lutas sangrentas no quarto tão carinhosamente enfeitado. Antes, deve se preparar para a labuta e crer na vontade de Deus, que quer todos os seus filhos reconciliados e triunfando juntos, e não uns sobre os outros. 

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Hipótese espírita para a homeopatia

Deus quando criou a matéria, não a concedeu forma. Colocou essa responsabilidade no princípio espiritual. O princípio espiritual, este sim, tomando posse da matéria, a estrutura. Assim se passa desde o átomo ao arcanjo.

Em cada reino, a ação do princípio espiritual assimila uma lição. No início, são lições automáticas, por submissão absoluta às leis universais. No mineral, vai promover a perfeição das formas e a possibilidade das ligações. A instabilidade delas são ensaios malogrados que, contudo, servem de aprendizado. Tudo servirá! Cada ação e reação é um progresso.

No reino vegetal, haverá as lições, das sensações do entorno, de transformar as matérias que lhe alimentam em fruto a ser devolvido ao mundo, de vencer a escuridão do subsolo em busca da luz (sabedoria vertical).

No reino animal, aprenderá a buscar o próprio sustento, cuidar da família, submeter-se aos primórdios das regras sociais, lidar com os brotos de inteligência e emoção, ir em busca da sobrevivência (sabedoria horizontal).

No reino hominal, já com livre-arbítrio, nossas escolhas sedimentarão os aprendizados anteriores, nos apropriaremos deles e e os sublimaremos rumo à metafísica: as ideias criarão formas que pavimentarão o caminho para a verdade superior, enquanto agimos diuturnamente para cuidarmos uns dos outros.

Na homeopatia, temos medicamentos gerados a partir dos três reinos. Hahnemann desenvolveu uma técnica para extrair, não o princípio espiritual, que só pode ser libertado da matéria a partir das leis da morte e da transformação, mas das informações deixadas como vestígios de arte rupestre em cada elemento material que ajudou a organizar ou dar vida. Essas informações são fixadas em água, álcool ou sacarose e, quando entram em contato com o corpo humano, interagem feito um diálogo em nível sutil com a nossa organização atual.

A doença é uma informação deslocada no tempo e no espaço. Um homem não pode agir para o seu nobre fim cósmico acuado feito um rato, colérico feito um leão, pronto para dar um bote feito uma cobra. Da mesma forma, não pode ficar reagindo explosivamente feito uma forma reativa de antimônio, envenenando quem lhe está ao lado. Ou ainda, assustado como uma sensitiva, com medo de que cada toque do mundo possa lhe ser mortal. Ao darmos o discurso certo para ele, cuidadosamente fixado em um meio material que possa entrar em contato com seu sistema absortivo, teremos a ignição para os movimentos de cura. Já que esse discurso revela o semelhante, será como se expuséssemos a verdade a todas as suas células. As reações de vitalidade são o seu corpo reagindo à verdade que lhe dói. A crise é um momento crítico de transformação. 

sexta-feira, 24 de setembro de 2021

O que de fato é a homeopatia?

Depois de ter postado alguns temas de homeopatia no Instagram, acabei acertando o senso crítico de um amigo médico. Então, ele veio me abordar.


TRANSCREVO:

Amigo: Allan, bom dia. Cara, quero um favor seu. Sempre vi a homeopatia como uma coisa que não é séria. Mas de repente me deparo com um homem sério falando sobre homeopatia. Me indica uma leitura que possa me informar melhor sobre o assunto, tais como indicação, tratamento, medicações, estudos e eficácia. Sendo bem sincero, sempre vi o praticante da homeopatia como um charlatão ou, quando menos, um iludido. Mas sei que você não é isso e gostaria de entender mais sobre o assunto. No Google tem muita coisa sobre, geralmente bem tendencioso para um lado ou para o outro. Mas todos pecam em não confrontar suas convicções com artigos e bibliografias. Não entenda mal minha ignorância. Obrigado!

Eu: Amigo, feliz por ler suas palavras. Vou lhe passar uma aula de uma pessoa ainda mais séria do que eu, a psiquiatra Lia Sanders. Veja o que pode extrair desses slides. Depois tento ver um livro mais didático para um leigo.

(Então, mando para ele os slides de uma amiga que fez uma excelente revisão de literatura, dos ensaios clínicos aos estudos bioquímicos, mostrando o quando a homeopatia é algo sério. Ela apresentou isso junto à disciplina optativa de homeopatia na Universidade Federal do Ceará) 

Amigo: Obrigado 😊 (...)

Oi, Allan. Li e gostei bastante. Pelo que entendi, a homeopatia é como 90% da medicina: funciona, mas a gente não sabe como. O conhecimento de seus mecanismos é bem complexo e foge do escopo de uma faculdade de medicina, até porque são elementos muito novos e que estão longe de ser bem compreendidos. Na verdade, é a coisa mais complexa de química (e física - quase metafísica) que já li. Extremamente interessante. Entendi que funciona, mas ainda não sei em quais doenças é sabidamente eficaz o tratamento. É meio na tentativa e erro? Se sabe o caminho, mas não sabe o destino (como quase tudo em medicina). Refletindo aqui, impressionante como mudei radicalmente meu ponto de vista com apenas uma leitura. Claro, não penso que seja a panacéia. Como toda especialidade médica, tem suas indicações e limitações. Mas já não associo com charlatanismo e acredito que pode realmente funcionar. Embora, em parte pelo meu espírito questionador ou apenas por eu ser chato, ainda tenha uma série de ressalvas. Mas com certeza estou com outro olhar.

Eu: É uma tentativa e erro com método, como quase tudo na medicina. E o principal é saber ouvir o paciente. Qualquer coisa que ele disser, do mais comum ao mais estranho, pode nos nortear na escolha da medicação. Principalmente o mais estranho. Aí temos que nos esforçar para ler a matéria médica das mil medicações homeopáticas. Para prova de título precisa saber 124. Tem outras técnicas e escolas para se achar a melhor medicação. Tem também que saber entender a movimentação da energia vital da pessoa, que são as lições de prognósticos que foram muito bem descritas por James Tyler Kent. E assim vai.

Tem ainda a questão de haver muitas medicações ainda por descobrir através do método de Hahnemann de experimentar no homem são. Suas ressalvas são muito bem-vindas e necessárias!

Amigo: E o q é energia vital?

***

(Daí mando um áudio para ele explicando o duelo, que existiu no início da modernidade, dos mecanicistas versus os vitalistas. Os mecanicistas que defendiam que não havia um transcendente no homem de onde brotava a vida, e assim via o homem passível de ser entendido a partir da divisão em partes, da matematização da matéria extensa. Os vitalistas entendiam a vida como tendo uma força própria, que permeava tudo, indivisível. Nela somos e estamos. Uma ideia levantada pelos românticos alemães, mas que já existia na grécia de Hipócrates com as noções de Paidéia e Physys)

***

Amigo: Questiono: 1) qual a diferença entre energia vital e metabolismo? 2) qual a diferença entre energia vital e alma/espírito? Parece q o Homeopata é mais um médico da alma q um médico do corpo.

Eu1) Nossa ideia de metabolismo é a partir de um conjunto de reações bioquímicas de construção, destruição e regeneração que se dá no nosso corpo. Conseguimos enxergar isso através da dança das moléculas, representadas por equações do que ocorre nos nosso tubos de ensaio. Para fins de prática homeopática, a energia vital se manifesta pela sensação de bem estar geral. Os sintomas patológicos denunciam o mal fluxo dessa energia. Não vamos atrás do choque das moléculas. Tudo é uma questão de sintomas. Verdadeira sensação de bem estar geral é sinal de uma energia vital fluindo em harmonia. Também é uma percepção indireta da coisa, por tabela. Mas a partir de parâmetros diferentes, parâmetros eminentemente clínicos. 


2) Para fins de prática clínica homeopática, alma e corpo não tem diferença. Tratar uma rinite repercute no temperamento. Tratar um temperamento repercute na ciática. Não vou entrar no mérito da distinção pela minha concepção filosófica de mundo, ok? Estou tentando passar para você o que temos em mente quando estamos clinicando. Nunca separar mente e corpo. Tudo faz parte da manifestação da vida. Se a pessoa está em sofrimento e chega para você, tudo o que sai da boca dela vem da alma e do corpo. Tem homeopata que se treina mesmo para enxergar os gestos e os semblantes. E isso faz parte da totalidade sintomática. A divisão, a separação, quando sentida pela pessoa, é a própria doença. Ter uma alma que se ressente do corpo, ou um corpo que se ressente da alma, tudo isso é doença. Estar bem é viver sem nem se tocar disso. Claro, ser filósofo, na linha platônica, é saber que há algo além que reflete sobre esse aqui. Quando esse pensar filosófico te deixa bem, e não te desajusta na vida, e não te faz pousar em qualquer profissional em busca de ajuda, isso só é o impulso da tua energia vital no amadurecimento do teu ser. Agora, quando isso está te desequilibrando a tal ponto de te cindir em dois, sua energia vital pode estar precisando de um estímulo para se reajustar. Mesmo os vôos filosóficos nunca são, ou não devem ser, uma ruptura com a realidade, mas uma apropriação da unidade do real em níveis cada vez mais profundos. Nossa visão estaria mais para Aristóteles do que para Platão.

Outro filósofo que fala sobre isso: Henri Bergson, que para isso usa o nome de Elã vital.

Amigo: Pelo q entendi, energia vital é uma concepção filosófica do próprio ser humano e demais seres vivos (não sei se todos). É isso? Ou é uma "energia" ou "coisa" que pode ser medida ou comprovada por meios experimentais/laboratoriais/materiais?

Eu: Todo uma filosofia se constrói em cima disso. Mas a medicina deveria ser assim, sempre se construir sobre uma visão filosófica da vida. Em certo momento, Platão falou que a filosofia era uma aproximação hipocrática da alma. Hipócrates agia sobre os homens com a clínica como Sócrates o fazia através do diálogo. Há quem ainda esteja em busca de provar a energia vital em laboratório. Aí depende da sua paixão. Você é uma pessoa mais tátil, mais terra, vai querer prender o saci na garrafa. Você é uma pessoa mais da intuição, mais água, vai se contentar em apenas sentir que é assim. Fazer poesias sobre a energia vital valerá então mais do que a enquadrar numa planilha, e fazê-la escalar algum gráfico. É a disputa que havia entre os modernos: o cartesianismo e o romantismo alemão. Essa disputa não morreu, assim como a dos materialistas/mecanicistas versus vitalistas. São guerras culturais.

Amigo: Entendo. Poderia se fazer uma analogia, em que a medicina clínica é o homem que corre atrás do que ele é sem nunca alcançar, e a homeopatia é esse mesmo homem que decidiu sentar e refletir sobre a vida. Entenda medicina clínica como medicina clássica. Filosofia muito interessante que concordo contigo em dizer que deveria se estender para toda a medicina. Mas não apenas nela, mas em tudo. Precisamos filosofar, parar e pensar. Mas ainda vejo com ressalvas as medicações, que sei que é apenas uma pequena fração do todo que é a homeopatia. Mas essas ressalvas são muito mais pela minha ignorância que por conhecimento disso. Agradeço muito a atenção dispensada. Espero não ter lhe incomodado. 

Eu: Que nada! Adorei a falar isso com você. Suas perguntas me fazem tecer respostas que me ajudam a compreender ainda mais.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Seu Viriato fala com um Preto Velho

 Sou eu, Viriato. Falo aqui como quem escreve em um diário. Talvez este espaço o valha. 

Acordei cansado, mas ansioso. Esses tempos de pandemia desestruturaram minha família. Andei brigando mais com minhas filhas, falei alto com a esposa. Não sou de falar alto com ninguém. Senti-me manchado por ter feito isso. 

As dores do ombro pioraram. Quando começo a me movimentar, o sol melhora o corpo, aquece o ombro, aí dói menos. Os pensamentos estão confusos. Sentei para trabalhar e o dedo se arrastava pelo teclado. 

Vou ter uma consulta logo mais com o ortopedista. Espero que ele me passe algo que melhore essa dor. 

[A consulta com o ortopedista acontece. Foi uma consulta virtual]

Como foi rápido! Eu não tinha muito o que falar mesmo. É apenas um ombro, e ainda mais que é o ombro esquerdo. Vale menos ainda muito papo. 

Já pedi a medicação pelo aplicativo. Nossa! O entregador já chegou. 

- Obrigado!
- Se o senhor poder me avaliar positivamente, agradeço.
- Tudo bem!

O que custa dar um trocado para esse jovem. Ainda me lembro quando eu era da idade dele. Esse ombro não doía assim. Como é mesmo para tomar essa medicação. Ah! Ele disse que tinha de ser com estômago forrado, pois pode fazer úlcera. Deus me livre! Curo o ombro e abro um buraco na barriga! Não mesmo. Seguirei a prescrição. Se é que cura algo. Ele disse que se não funcionar ainda podemos nos valer das injeções. Tudo bem. Não espero mesmo que uma dor que já é minha companheira há tanto tempo saia assim de repente. 

Escrever me ajuda a organizar isso tudo tão confuso. 

Sobre minha ansiedade. Eu falei que havia acordado cansado, mas ansioso. É que no final da tarde vou conhecer um senhor que dizem deixar passar mensagens do além. Particularmente de um preto velho chamado Pai João. Eu nem sabia, mas meu avô participava de rituais assim. Desses de falar com espíritos. A miscigenação das gerações foi clareando nossas peles. Mas vovô era um negro sem qualquer diluição. Eu tinha uma conexão muito forte com ele. E agora, nesse momento medonho, me aparece essa oportunidade de falar com o velho preto do meu avô. Como será isso? O que será que ele tem a me dizer?

[A tarde vem e quase passa. Seu Viriato já está na mesa com o Preto Velho]

- Óia, cê pode ficá bem à vontade aqui, dotô. Tô aqui pá lhe ouvi. Ouvi suas dor, seus pesá, suas encrenca. In nomi de Xangô, salve nosso sinhô Jesus, salve nobreza santa, pode me falar.

(Estranho. Eu sou um homem estudado e venho ter com um tal João que não sabe nem o português direito)

- Pai João, a vida não tá fácil.
- Num tá pá ninguém, fio!
- Minha cabeça tá fora do lugar. Não consigo trabalhar. Tô estressado com a esposa, com as crianças.
- E o casamento tá disgastado, fí?
- Tá por um fio, Pai.
- Difíci cumpri a promessa do altá, das aliança, né mermo?
- Não era pra ser. A vida tava boa, mas o cotidiano e a mesma convivência tá destruindo a gente. 
- Eu te intendo. Amá quando tá tudo bem é fáci. Amá no mêi da tempestadi é difíci. Mas, amá foi aquilo que o nosso sinhô pediu pra fazer, e como o póbi apanhô por defender isso. Dizê que nós tudo é capaz de milagres de amô. Nesses tempo de crise, menino, o amô é moeda rara, tá caro. E basta só uma pacienciazinha pra garimpá ele bem aí no peito. 

(Por que diabos estou chorando? Essa simplicidade dele me toca. Ele fala simples, como quem já viveu muito. Parece meu avô. Se fosse outra pessoa, teria me enfurecido. Me coloca numa posição de menino. Mas, enxergando meu avô detrás dessa entidade, me sinto de novo aquele moleque. Nem consigo falar mais nada. Essa mensagem do amor difícil está em todo o evangelho, mas tem um brilho especial partindo daqui)

- Num se aveche. Se acalme. Eu já vi tanta coisa acontecê nesse mundo. E passô. Renovô. Cê deve tá precisando disso: renová. Tirá coisa velha do peito, da cabeça. Colocá ar novo. Vô lhe passá uns trabáio, que ocê vê com os homi da organização do templo como faz. Anote aí...

O Pai João então me manda para um lugar onde as pessoas dançavam e espalhavam bençãos sobre mim. Depois um fogo passava pelos vários pacientes - vou chamar de pacientes - como que a nos purificar. Dizeres estranhos como que evocações de forças cósmicas animavam os coordenadores dos rituais. Não me cobraram nada, não me obrigaram a nada, deixaram-me livre. Não exigiram minha crença nem minha pertença. Apenas ofereceram o que tinham para dar. 

Talvez seja isso. Estou me cobrando demais, e cobrando os outros. Tenho que me desapegar mais do mundo como eu quero que ele seja, e permitir que o mundo seja o somatório do que podemos ser, respeitosamente. E se eu sentar para ouvir minhas filhas como esse preto velho sentou para me ouvir, sem doutorado, mas com cuidado? Se eu tiver meu coração desperto e meu ouvido aberto para receber a fala da minha esposa como se fosse um ofício sagrado. O preto velho para me ouvir evocou forças divinas. É uma escuta sagrada. Talvez, quem sabe, buscando intimidade com esse sagrado no meu ouvido, toda essa confusão se relativize, e alguma ordem encarne de novo entre nós.

Valei-me! Onde está a dor no ombro? Passou.  

terça-feira, 27 de outubro de 2020

Anotações em torno de Saúde e Espiritualidade

1. Definição de Espiritualidade 

A partir da facilitação de Koenig, religião como sendo mais objetivo de definir, espiritualidade mais indefinido. Definição do movimento de espiritualidade laica francesa que entende espiritualidade lato sensu como a busca do sentido da vida, o que dá o norte de todas as nossas buscas, sendo o laico aquilo que empreendemos sem colocar a hipótese de Deus (Sartre, Ferry, Sponville)

2. Histórico da aceitação do tema Espiritualidade na Academia

A. Do que era na antiguidade clássica, como Deus se confundindo com a natureza, como a natureza razão por excelência com que nossa razão se identificava (somos herdeiros em larga medida dos gregos na nossa forma de ver o universo). 

B. Da mudança de perspectiva radical a partir de outra cultura, a hebraica, com a esperança do Deus que interfere na vida, e com os cristão primitivos, com a certeza do Deus presente como Homem (Cristo) entre nós. Essa experiência história gerou as forma de busca do conhecimento medieval, nas universidades da igreja, a escolástica, que faziam da filosofia serva da teologia, buscando entender os pormenores de muitas coisas, mas nunca do cerne da doutrina da salvação: O Cristo. 

C. Dos Modernos substituindo essas especulações escolásticas nas universidades católicas por um novo deus, ou deuses, que dialogavam mais com a antiguidade clássica, do que com o Deus pessoal cristão. Entronamos a Razão, A audácia, o Amor pelo que está aqui e não além. Esse processo culminará entre idas e vindas, com grito e fúria, entremeado por silêncios tensos, em Nietzsche proclamando a morte de Deus (do Deus cristão). A filosofia de Nietzsche terá vários pontos em comum com o hinduísmo que tem 33 milhões de deuses (uma divindade espalhada na natureza com intensidade e brilho)

3. Entender ¿que Deus de fato é esse que foi rejeitado pela academia?. 

O Deus dos Judeus, ou do que por muito tempo lemos como sendo dos Judeus

o que promete (mas ainda não dá), 

o que não se mostra (quando eu quero olhar), 

o que me vigia eternamente (me fazendo pecar).


***

(Poderia ter feito um passeio pelas novas formas de espiritualidade que começou a invadir o ocidente com a diminuição do império intelectual católico: os orientalismos das mais diversas sortes, mas também o espiritualismo espírita francês, o martinismo de Papus, a mística de Jackob Boheme e do romantismo alemão, o cristianismo social dos socialistas utópicos, o cristianismo místico de Dostoievski ou o cristianismo social de Tolstói, o neoespiritualismo pragmático de William James, a teosofia de Blavatski, a antroposofia de Rudolf Steiner. Todos esses movimentos de contra-corrente da intelligentsia materialista.

***


4. O renascimento do Tu na visão clínica

4.1. A Antropologia cultural, ciência de uma civilização pós-atéia. 

Expoente: Claude Levi-Straus. No Brasil: irmãos Vilas Boas. Livro atual para os estudantes da saúde: Cultura, Saúde e Doença, de Cecil Helman. Precursor: Montaigne na sua análise sobre os selvícolas do novo mundo. Saímos de um Monoteísmo Radical que, por não reconhecer o sagrado radical do outro, justifica a aniquilação de quem não é da minha tribo, rumo a um Pensamento Alargado. Esse movimento veio com revoluções epistemológicas na forma de fazer ciência: um pesquisador não-inerte, conhecedor de suas limitações, consciente da sua interferência no próprio processo da pesquisa, impedido de gerar um resultado puro, destilado pela objetividade que se quer matemática. A assunção de um conhecimento que é produto do encontro de dois sujeitos, o conhecimento dialógico, que respeita a experiência do outro como legítima. A sombra desse movimento: a relativização de todos os valores e de todas as tradições. 

4.2. Outra concepção do respeito ao outro: A ética do Pensamento Alargado de Luc Ferry. 

Sair da sua própria ilha, entrar na ilha do outro como se fôssemos de lá, e retornar para a nossa, sem perder nossa identidade, mas expandindo nossa consciência. Enxergar o que é nosso a partir do outro.

5. Inconsciente Simbólico Coletivo

Na história da psiquiatria, saímos de Freud que desprezava a religião e o religioso para Jung que acolhia os mais diversos mitos como forma de o inconsciente, em toda a história da humanidade, se manifestar. Exemplos da influência de Jung no Brasil no trabalho de Nise da Silveira em seu Museu de Imagens do Inconsciente. Enxergar a arte e os símbolos ("O homem e seu símbolos" ) como formas da consciência medíocre se proteger do abismo que é o mundo, do terror da natureza titânica, da visão do sol, do sexo e da morte. Enxergar ainda a arte, as metáforas e os símbolos como formas de uma consciência ferida se cicatrizar a partir de dentro.

6. Caminhos para o acolhimento da Espiritualidade na Clínica

A. Pesquisas em torno de "Intinerários Terapêuticos", fazendo com que a prática médica seja vista como um ponto no imenso e incomensurável caminho de busca pela cura do paciente. Nossa ciência como apenas mais uma das portas possíveis de se bater. 

B. Consciência dos Limites da Ciência (Edgar Morin) e do imperativo da interdisciplinaridade para não aleijar o homem e a mulher que atendemos das suas múltiplas dimensões, incluindo a espiritual. 

C. Narrativas autobiográficas, Histórias de Vida, Biografização (construções de pensadores franceses com forte influência do romantismo alemão - Goethe, por exemplo) que buscam promover uma escuta qualificada dos indivíduos a partir da perspectiva dele, tomando sua história não em um recorte para fins de diagnóstico, mas como um todo. Por mais que esse todo seja apenas parcialmente apreensível, fica a grandeza do esforço do terapeuta de se abrir para a experiência mais rica contada em narrativas do Tu.


Referências bibliográficas:

  • CABRAL, Ana Lucia Lobo Vianna et al . Itinerários terapêuticos: o estado da arte da produção científica no Brasil. Ciênc. saúde coletiva,  Rio de Janeiro ,  v. 16, n. 11, p. 4433-4442,  Nov.  2011 .   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232011001200016&lng=en&nrm=iso>. access on  27  Oct.  2020.  https://doi.org/10.1590/S1413-81232011001200016.
  • COMTE-SPONVILLE, André. O espírito do ateísmo. Introdução a uma espiritualidade sem Deus. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
  • DELORY-MOMBERGER, C. Biografia e educação: figuras do indivíduo-projeto. Natal: EDUFRN, 2014.
  • FERRY, Luc. Aprender a viver. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007
  • HELMAN, Cecil G. Cultura, saúde e doença. Artmed Editora, 2009.
  • HUGO, Victor. Disponível em : https://www.poetica.fr/poeme-49/victor-hugo-la-conscience/. Acessado em 26 de outubro de 2020
  • KOYRÉ, Alexandre. Do Mundo Fechado ao Universo Infinito.[Tradução: Donaldson M. Garschagen] Rio de Janeiro: Forense-Universitária: São Paulo: Ed. Da Universidade de São Paulo, 2006.
  • PINEAU, Gaston. Les histoires de vie. Col. Que sais-je?. Ed. PUF. 5a ed. 2013
  • MORIN, Edgar. Ciência com consciência. rev. mod. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.
  • ___________. Os setes saberes necessários à educação do futuro. Cortez Editora, 2014.
  • NIETZSCHE, Friedrich. Assim falou Zaratustra. EDIPRO, 2020.
  • DA SILVEIRA, Nise. Imagens do Inconsciente com 271 Ilustrações. Editora Vozes Limitada, 2017.
  • VOEGELIN, Eric. A nova ciência da política. Editora Universidade de Brasília, 1982.

quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Fechando um ciclo

Não foi por causa daquela noite em que vi o ápice da pandemia chegar no meu plantão. Em que intubei três pacientes consecutivos, com duas paradas irreversíveis, e duas paliações negociadas. Ainda que aquele dia tenha me feito chorar, após certa relutância em acessar meus sentimentos, chorar e gritar no meio do trânsito com gosto de morte na boca. Isso foi só a gota d'água. 

Convidaram-me para outras funções no sistema de saúde. A medicina de família, minha especialidade, há muito vinha sendo só teoria e discurso. É chegada a hora de colocá-la em prática. 

Urano passa por touro na casa que tem a força de escorpião. Soube disso depois de ver toda a confusão que já se instalava em mim. Revolução, transformação, acolher legados e heranças. 

O espólio de mamãe ainda tramita na burocracia dos cartórios. E só agora, a medicina de papai quer ter direitos de território na minha vida. Um terreno que havia comprado pra ser um retiro familiar, o estou passando pra frente. Os plantões, feito roupa envelhecida, não os quero mais. O conforto que me davam de um emprego certo, abdico-o. E o salto que dou para a vida é de fé. As promessas que me abraçam, seus braços ainda se escondem nas névoas do horizonte. E certa doença aninhada em mim vez ou outra me faz temer não chegar muito além, feito Moisés léguas antes da Palestina. Teria, então, desperdiçado a vida cujos sonhos apontavam para outra medicina, de quem eu seria um dos construtores da nova aurora. 

Logo mais assinarei a liberdade. Terei demorado muito? Sete anos é um tempo simbólico. Poderia eu me permitir um sabático, mas Saturno é exigente. Com sua mão sinistra, finca as esporas no meu Touro e me mete a trabalhar, ainda mais, enfrentando as feridas, mexendo nos incômodos.

Preparar-se para a morte, que é transformação. Ato contínuo, apontar para as estrelas do meu céu. Quem sabe não chego na fortaleza maior do caráter, enxergo enfim a humanidade como minha família, e aceito a sabedoria da velhice que me espera. São os primeiros anos de um novo setênio. Por Deus, como me sinto menino!

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Novos rumos

Quando estava na faculdade de medicina, insatisfeito com tudo o que via lá, pela frieza e distanciamento das humanas, criei um blog chamado Desmedicina. Após ter me encontrado na medicina, perto do final do curso, mudei o nome para Re-medicinando. As experiências vivas com pacientes reais, diuturnamente, me deram outro norte. 

O exercício ininterrupto dessa profissão, após formado, consumiu o tempo que tinha para escrever algo. Também achei por bem queimar os escritos da alma aflita de um noviço. Eu era outro.

Especialista em medicina de família e comunidade, tendo absorvido certa expertise em medicina de emergência, o exercício hipocrático volta a monotonia. Análise rápida de pacientes pressionado por um sistema esmagador, prescrição entediante de um punhado de medicamentos repetitivos: esse é o cotidiano médico. Quem se dedica a ciência se afasta dos pacientes, se aproxima dos padrões e tem mais amor pela matemática do que pelo contato humano. A matemática, com seus desafios sedutores, causa um ânimo para as almas perdidas no dia-a-dia cinzento. 

Fugi para a filosofia. Criei um blog que unisse meu amor pela filosofia e pelo espiritismo. A busca da alma sempre foi meu vício. Como unir tudo o que aprendi e vivi no lar, na infância e na juventude - todos espíritas - com a minha profissão cuja motivação havia sido o humanitarismo. Como disse, fugi para a filosofia, criei o blog Por uma Filosofia EspíritaTentando fazer dialogar os grandes filósofos com o que eu tinha de conhecimento espírita. Isso me deu certa bagagem humanitária. Consegui entender onde a humanidade estava que não pode enxergar a grandeza do espiritismo. Quais as respostas alternativas que os grandes pensadores engendraram paralelamente a revolucionária ideia da imortalidade da alma partícipe de um grande sistema evolucionista moral conduzido por uma Inteligência Suprema a quem damos o nome de Pai, desde Jesus. Mergulhei em documentos cristãos que não consideram o espiritismo um irmão teológico e pude entender o sentimento religioso dos pacientes que às vezes não apenas rejeitam as verdades espíritas como as repudiam. 

Uma vontade de união de todas as coisas sob um só propósito amparadas por fenômenos metafísicos cuja verdade, por assim dizer, material seria inquestionável parece ter animado minha alma. Tive que amadurecer. As mais diversas tradições espirituais são portentosas demais para ceder lugar a um nivelamento.

Não penso mais que seja um certo espiritismo como futuro das religiões que esteja no horizonte, o que dava vazão a um sentimento megalomaníaco em mim. Mas, agora, depois de experiências muito particulares, que despertaram um propósito maior, real, genuíno para esta encarnação, eu dou seguimento a esse blog dando vazão a este novo movimento da alma que quer deixar apenas uma contribuição sobre em que o espiritismo pode ajudar os sofredores desesperançados. 

Não serão mais ideias soltas, desencarnadas, que aparecerão por aqui. Agruparei as experiências dessa nova construção em minha carreira sobre os pilares da homeopatia, do magnetismo animal, da prece, da desobsessão, do concurso dos espíritos bons, da terapia de vidas passadas e da educação moral. Sobre as particularidades que me levaram até a esses pilares, já não cabe mais aqui discorrer, o texto se alonga. 

Uma especialização em homeopatia está por terminar, o magnetismo animal já comecei a estudar, de mediúnicas venho me aproximando, a técnica de terapia de vidas passadas estou estudando conduzido por uma psicóloga experiente, a divulgação da educação moral tenho treinado com palestras e condução de rodas. As peças estão nos seus lugares. O jogo tem que começar. Os tempos são chegados.